Não era pra ser assim.
Porquê eles não me ligaram? Será que eu só sou da família quando estou resolvendo o problema de alguém?
Aqui estou, linda, de cabelo escovado, unhas feitas, lindos sapatos novos que me dei de presente, um sobretudo preto e um vestido de lã para encarar o frio, uma jóia no dedo, brincos escandalosamente lindos e sentindo-me miserável.
Fui buscar a mamma para almoçar e ela só falava sobre trabalho. No caminho, uma moça bem novinha estava na rua, e me deu um papelzinho daqueles que dão para você para pedir esmola.
Minha mãe me deu a bronca: "Feche os vidros" e eu retruquei "Ei, essa é a minha fala!", mas peguei o papelzinho. Olhei-a nos olhos, ela parecia ao mesmo tempo tão forte e tão frágil...
Disse "Moça, você pode me ajudar a fazer uma refeição hoje? Há dois anos tenho HIV. Os remédios o governo me dá, mas minhas refeições são por minha conta."
Já peguei muitos papeizinhos assim na rua. Às vezes dou uma moeda, às vezes leio o papelzinho fingindo que aquilo que alguém escreveu ali realmente me comove, e sempre vou embora um pouco triste. Por talvez ser uma mentirinha de alguém pra pedir esmola. Porque talvez não seja. Porque esse país é miserável demais.
"Claro", eu disse. Abri a bolsa e a carteira, e puxei uma nota de 10 reais no meio de alguns dólares. Era a única nota de real que eu tinha. Não quis procurar moedinhas. Quem é que faz uma refeição decente com moedinhas? Eu mesma estava indo almoçar, e menos de duas horas depois, a conta ficava em 100 reais - que paguei com o cartão de débito, apenas eu a mamma comemos em um restaurante maravilhoso.
Mamma ainda dizia: Dez reais? Porque você deu tudo isso a ela?
E eu respondi: Porque é meu aniversário, estou longe da minha vida nos Estados Unidos, sozinha, meus irmãos não me ligaram, e aquela moça precisa comer, tenha ela Aids ou não!
Leave me alone!
Lucca Kosta

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